quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
"CHICO MENDES" o PROJETO
Meu livro de estudo sobre o "ABC do SERINGUEIRO"...
Ano passado, num ‘passado’ não tão distante de hoje, foi comemorado 20 anos de morte (assassinato) de Chico Mendes, em Xapuri. Estive acompanhando, pela Internet, as “comemorações” que foram divulgadas tal recebimentos de prêmios, entrevistas com pessoas que conheceram Chico Mendes, pessoas com quem trabalhou, amigos, família e até entrevistas e declarações filmadas do mandante do assassinato, Darly Alves, (vivinho) da Silva, para o “Fantástico”, da Rede Globo de Televisão. Decidi, depois de muito pensar- em escrever esse texto-, hoje. Sim, porque eu havia resistido em fazê-lo, mas sinto meu estômago revirar, toda vez que eu ouço falar ou leio algo à respeito de “Chico Mendes”. Por causa dessa estranha emoção- mistura de náusea e raiva- decidir escrever. Porque (acho) essa minha reação deve ser uma emoção “sã”, se não, acredito, não me sentiria assim, com uma dor aguda e constante- como se alguém tivesse me dado um sôco, na boca do estômago.
Em dezembro de 1988 estava em Richarville, no campo, a alguns quilômetros de Paris. Na TV passava o jornal, vi imagens de mato, gente caminhando como numa procissão, o jornalista falava da morte do ambientalista Chico Mendes, no Acre. Tomei um susto. Na minha época, nem os brasileiros sabiam direito situar o Acre no mapa do Brasil (!) e prestei atenção ao que diziam. Algumas semanas depois do jornal, programaram um documentário sobre CHICO MENDES, na TV Francesa.
Fiquei então sabendo QUEM era Chico Mendes e QUAL tinha sido sua missão. Durante o desenrolar do programa, eu enxugava as lágrimas, comovida com a história trágica do ex-seringueiro e sindicalista, mas sobretudo eu chorava com saudades e com tristeza de ver que os seringais do Acre estavam se transformando em pasto de boi, dos “paulistas”. Sentado ao meu lado, Gilles, meu ex- marido (que é cineasta francês), assistia o MESMO programa que eu- mas (definitivamente) não víamos a mesma coisa. Ele me consolava, de vez em quando, me dando papel para enxugar as lágrimas e assoar o nariz e dizia: “Dá um filme fantástico! Um “Western”, tem tudo ai. Um grande conflito, um herói, um vilão, bois, cowboys, bandidos, fazendas, o prefeito, o governador, os políticos, uma “causa”...Só falta a Mocinha.”. Gilles olhou pra mim e continuou: “Com um bom roteiro, você pode fazer a ‘mocinha’ do filme! E ninguém vai dizer que você não é o PAPEL. Você é ACREANA!”
Gilles jamais largava seu trabalho. Respirava, dormia e acordava- sempre conectado- com CINEMA, a paixão de sua vida.
E dessa vez ele tinha razão.
Dois anos mais tarde, em 1991, o produtor de cinema inglês, Sir David Puttnan e eu tomávamos café da manhã, no café de um elegante hotel, situado numa rua transversal à Avenida Champs Elysées, em Paris, onde ele estava hospedado, com sua esposa.
Quis me conhecer pessoalmente, após ter visto fotos minhas e um vídeo no qual eu respondia à uma entrevista feita, algumas semanas antes, com a diretora de elenco, Priscilla John.
Sir David Puttnan estava em fase de pré-produção do longa metragem, baseado na vida de Chico Mendes quando nos encontramos. Conversamos sobre minha vida, minha infância no Acre, meu percurso até Paris onde eu morava e era atriz profissional, quis saber sobre minha família, meus pais e irmãos e a razão pela qual deixei o Acre e o Brasil.
Depois ele respondeu às minhas perguntas- aonde o filme ia ser rodado (em Costa Rica) e quem ia fazer o “papel” de Chico ( Andy Garcia). Ele quis saber o que eu pensava disso. Eu- claro- que perguntei porque não ia ser filmado no Brasil, com brasileiros. Ele me disse que “Era muito perigoso”. Findei concordando com ele e lhe disse que o “importante era a credibilidade, de que maneira o diretor ia desenvolver o PROJETO”.
No final do nosso encontro, depois de um momento muito descontraído, Sir David Puttnan me disse que havia ficado “encantado” em me conhecer (era recíproco) e ele queria saber se eu aceitava entrar na AVENTURA do filme, fazendo o “papel” de ILZAMAR. Eu tomei um susto porque esse tipo de conversa só se é tratado entre uma atriz e um produtor SE o produtor realmente acha que aquela atriz É o “personagem”, também SE o diretor estivesse de acordo. Eu disse que adoraria fazer parte do projeto mas perguntei (sendo casada com diretor SABIA do que estava falando) se o diretor estava de acordo que eu fosse “Ilzamar”. Ele me respondeu: “Eu tenho a palavra final, EU decido”.
Menos de um mês depois eu estava em Londres, pronta para fazer testes e mais testes, para o filme “Chico”.
Visitei Pinewood, onde estava instalado o escritório da produção onde vi as fotos e a evolução do projeto. Estavam construindo Xapurí, nas Selvas de Costa Rica. Encontrei-me com o Diretor do filme, Chris Menges.
Antes dessa viagem, em Paris, enquanto me preparava para os testes do filme, recebi, de Londres, páginas do roteiro com cenas que eu devia interpretar e vários livros e fitas com documentários filmados pelo cinegrafista inglês, Adrien Cowell.
Cowell havia viajado por longos períodos, desde 1950, no Brasil fazendo documentários para a televisão Inglesa e filmou tribos de Índios e também Chico Mendes. (The Last of the Hiding Tribes, The Decade of Destruction, The Killing of Chico Mendes).
Cowell usava uma equipe de brasileiros para fazer seus filmes, mas Chris Menges havia sido seu cinegrafista, em vários desses projetos e o filme seria uma adaptação baseada na vivencia de Andrien Cowell com Chico Mendes, que resultou também num livro.
Consumi os livros, como se diz- num tapa.
Fiquei impressionada com o material, pois vivia na França (fazia cinco anos, nessa época) e longe do Acre desde 1975, quando papai vendeu nosso seringal e fomos nos estabelecer em Belém. Isso quer dizer que fazia então 16 anos que eu havia deixado o Acre e desconhecia a “realidade” local. No início pensei- porque vivia na Europa-, mas eu telefonei para minha família e alguns amigos no Brasil, muitos deles só tomaram conhecimento de quem era Chico Mendes e do seu trabalho, do que se passava no Acre, depois de sua morte. Impressionante que eu na França (recebendo material feito e editado pelos Ingleses) agora sabia mais da QUESTÃO do Chico Mendes e sua luta, que muitos brasileiros.
O “sistema” do SERINGAL me era muito familiar, afinal meus pais haviam sido donos de seringais. Papai havia herdado os seringais Mercês e São João, em Sena Madureira. Meus avós haviam sido pioneiros no Acre. Meu bisavô, pai de minha avó Emília (mãe de papai), Agostinho Escócio Vieira Drummond havia trabalhado e lutado ao lado de Plácido de Castro, que mediu São João e lhe conferiu título de posse. Nasci e cresci vendo fotos, ouvindo a história da minha família. Fernando e eu os mais novos de uma família de 10 irmãos, nascemos em Rio Branco mas fomos criados indo e vindo ao seringal Mercês.Cézar e Elzira nasceram na Copaíba, sede do seringal e Zuleide, a nossa irmã mais velha, havia nascido numa colocação que se chamava “Maloca”, evidente a origem do nome. Mamãe e papai enterraram Maria Emília nossa irmãzinha de 4 anos, na sombra de uma mangueira da Copaíba, o mesmo destino, um bebê que não teve tempo de ser batizado - mas que papai e mamãe chamaram de João Escócio. Zéles nosso irmão mais velho nasceu no Pará, estado natal de nossa mãe.
E a vida no seringal com seringueiros (os fregueses de papai), brincando com filhos de seringueiros eu sabia de cor e salteado, o seringal era o lugar onde eu passava minhas férias, onde eu havia vivido e convivido, toda minha infância e início de adolescência. Mas dessa vez, graças ao Sir David Puttnan, o PRISMA- a partir do qual eu via o SERINGAL ia mudar. Eu ia ter que APRENDER a olhar, a partir do ponto de vista do SERINGUEIRO.
O trabalho de atriz no qual me lancei, durante esse período de estudo e pesquisa sobre Chico Mendes (e Ilzamar) foi um PESADELO para mim, porque pela primeira vez na minha vida eu tive que me INVESTIR – intimamente- num trabalho (de ficção) mas que parecia muito próximo à pessoa que eu SOU, na vida real.
Teoricamente, o trabalho do ator é de se ‘alimentar’ de informações e (pessoas) de maneira que ele/ela possa elaborar sua maneira de interpretar, bem também depende da sua formação. Jamais segui academias, conservatórios, comecei a trabalhar no cinema somente usando minha INTUIÇÃO.
Fiz alguns cursos com o professor Jack Waltzer, da Actor’s Studio de Nova York. Ele me ensinou a usar do meu instinto, me empurrou a me “jogar” em cena, usando minha vivência e personalidade , para ‘construir’ o personagem, tal o METODO (Stanislavsky System). Jack Waltzer sempre (gritava) me dizendo para eu ter fé no meu instinto e não “intelectualizar” minha maneira de atuar. Mas eu não estava preocupada com a maneira com a qual eu ia “interpretar” Ilzamar.
CHICO MENDES para mim era um ser IRREAL e nessa altura da história do Brasil ele havia subtamente se transformado em um HERÓI NACIONAL.
Então ele se tornava para mim, ainda mais inacessível, “etéreo”...
Ilzamar devia ser certamente uma cabocla da Amazônia, talvez igual à mim, minha mãe ou minhas irmãs, afinal SOMOS da mesma região, com muitas características parecidas, entre elas, físicas, mas eu estava ‘estudando’ uma Ilzamar, que havia sido a ESPOSA de Chico Mendes e mãe de seus filhos, uma moça que parecia ter...
“saído de uma tela de Paul Gauguin”, como havia me dito Sir David Puttnan, Chris Menges e estava assim escrito nos livros.
Silvana a atriz tinha que elaborar essa figura exótica, vindo da Polinésia, mas nascida no Acre. Em Xapuri.
E tentava “não intelectualizar”, mas estudar a vida de Chico Mendes foi para mim uma REVELAÇÃO, também um enorme CHOQUE.
Tive que aprender a me despojar de TUDO o que eu havia aprendido/que haviam me ensinado, desde menina: Crenças, atitudes, pensamentos, pré-conceitos, referencias, ensinamentos, “filosofia”, romantismo, enfim, tive que separar – literalmente- tudo o que eu CONHECIA, minha VIDA enfim, até então.
Precisava ME IMAGINAR numa outra vida,
que era ou tinha sido ou poderia ter sido- a vida de um SERINGUEIRO (A) naqueles dias, no Acre, para poder me sentir capaz de olhar/compreender a VERDADEIRA MENSAGEM que- acredito- Chico Mendes deixou.
Para tentar minha chance na tela (sendo “Ilzamar”) tive que DESCOBRIR o que (teoricamente) uma jovem mulher (bonita), inexperiente e “selvagem” estava vivendo (interiormente) durante os anos em que seu marido pregava e atuava como Serigueiro, Sindicalista, Ativista e “Ambientalista”- que era um termo novo nessa época, que não havia uso na linguagem cotidiana.
A primeira vez que encontrei Chris Menges, o diretor do filme, foi na casa de Priscilla John, a diretora de elenco do filme, em Londres.
Chris Menges tinha chegado do País de Gales para tomar o café da manhã comigo e nosso encontro tinha como objetivo, aprender a nos entrosar.
É um processo natural entre o diretor e uma atriz, no decorrer de um projeto de filme e ele ia também escolher a roupa que eu devia usar para os testes. Ainda em Paris, me preocupei em comprar farinha (de mandioca/macaxeira), numa importadora.
Não era do Brasil, nem do Acre, vinha da África (cassava) e preparei para ele comer uma farofa com carne (enlatada), como a gente fazia na época em que morávamos no seringal. Misturei ovos, comemos acompanhado com café preto.
Chris Menges é um homem culto, certamente (de esquerda), sensível e um brilhante diretor e cinegrafista. Antes de encontrá-lo, me preocupei em ver os filmes que ele havia trabalhado e dirigido. SENTI- foi uma intuição jamais soube a verdade,
desde o primeiro minuto que me viu- que eu não era a atriz de seus sonhos para fazer “Ilzamar” (por ser FILHA de Seringalistas- não de Seringueiros).
Mas Chris Menges e eu passamos um bom momento juntos, lhe mostrei um álbum com fotos da minha família, fotos recentes daquela época, que eu havia tirado no Acre, na minha última viagem. Depois de longas horas de conversa sobre a vida no seringal, uma série de perguntas do que eu achava e pensava sobre Chico Mendes- ele me perguntou assim: “Ilzamar, quero dizer- Silvana, você acha que se casar com Chico Mendes – poderia se dizer... que teria sido para uma JOVEM- como ‘descolar’, ‘pescar’ um peixão?”
Eu achei muito engraçado, pois na minha cabeça vi a JOVEM- seringueira (Ilzamar), apaixonada por um homem mais velho que ela, barrigudinho, de bigode, talvez “brilhantina” no cabelo (como era costume do seringal)...
Imaginei que ERA POSSÍVEL. Sim.
Porque não existe explicação para o AMOR.
A gente se apaixona ou acha que está apaixonada, a vida da mata, do isolamento, da “solidão”, faz o resto.
Imaginei que Chico Mendes- por causa de sua personalidade- devia ser um homem especial, carismático e SIM. Era um “peixão”.
Nós rimos.
Chris Menges me testou de todo o jeito.
Ele me provocava e eu sentia que ele queria me “encurralar”, com perguntas. Mas eu estava calma e respondia com honestidade.
Jamais neguei que meus pais eram/foram SERINGALISTAS.
Jamais tentei esconder que toda minha família possuía terras, seringais, no Acre.
Teve um momento em que ele me disse assim:
“Se você fosse filha de Seringueira, não estaria morando em Paris, não teria tido essa chance, não se sente culpada?”
Sabia que ia me provocar o máximo, então eu tive que responder meu pensamento.
NÃO acredito que eu tive sorte em ser FILHA de Seringalista, para poder ir morar em Paris, na Europa.
Eu acho que eu tive sorte sim, mas eu fui atrás da minha SORTE, trabalhei, lutei.
Tive que lhe explicar como vivi e de que maneira cheguei até a Europa. O fato de ter tido a chance de ESTUDAR, sim, foi primordial nesse percurso mas quantas pessoas que estudaram- e são formadas- não vão até o FINAL, na luta por seus ideais?
Me lembro que ele disse algo, me comparando com uma “burguesa”. Me lembrei que Karl Marx era filho de “burgueses”. Usei isso como argumento, embora eu pessoalmente não estivesse atrás de fazer nenhuma “revolução”, na minha vida, muito menos de ter “seguidores”, em massa.
No estúdio, fiz os testes com um ator inglês, branco, careca e barrigudinho. Fizemos várias cenas juntos, ele fez o papel de Chico Mendes em algumas delas e outra ele fez Darly.
Voltei para Paris, onde eu morava na época. Durante alguns meses Sir David Puttnan me pediu que ESPERASSE respostas sobre o desenvolver do PROJETO que não estava “confirmado”. Assinei contrato para não falar –absolutamente nada- sobre o PROJETO CHICO MENDES, jamais dar entrevistas ou mostrar meus vídeos dos testes que fiz em Londres. Tinha a diretora de elenco ao telefone que me dizia o que estava “rolando".
Nesse período de ESPERA viajei para o Brasil. Fui à Belém e senti uma NECESSIDADE de voltar ao Acre.
De Rio Branco peguei um ônibus até Xapuri.
Me hospedei num pequeno hotel, onde dormi uma noite. No dia seguinte, depois do café, fui até a casa de ILZAMAR MENDES.
Me apresentei (mas NÃO PUDE DIZER NADA em relação ao filme), o que me deixava o tempo todo- me sentindo “culpada” e inconfortável, por causa da situação.
Foi uma TORTURA para mim.
Tinha vontade- tive o impulso- várias vezes em lhe contar tudo, sobretudo porque ela me recebeu muito gentilmente. Alta, sorriso doce, num rosto cheio de ternura.
Muito delicada e educada, Ilzamar aceitou meu pedido que lhe filmasse, assim que seus filhos e seu marido.
Foi para mim uma GRANDE EMOÇÃO e pela primeira vez senti- a REALIDADE.
Porque até então, ILZAMAR e CHICO MENDES, para mim eram um PROJETO DE FILME. Ficção.
(CONTINUA...)
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Um comentário:
Antes de continuar lendo esse maravilhoso depoimento de vida e trabalho sobre o Chico Mendes, que tive o privilégio de conviver, à partir do aeroporto ( eu trabalhava lá) da cidade de Rio Branco, no Casarão (ponto de encontro da esquerda, liberais, socialistas, artistas, enfim, todas as tribos da aldeia)na época, nas conversas com nosso pastor de Deus, o bispo d@s acrean@s, Dom Moacir Grechi, entendíamos melhor as causas e a lutas na região conhecida como Vale do Acre, ou empates como dizia a militância e as famílias envolvidas, enfim, nas atividades dos movimentos populares, principalmente dos sindicatos de trabalhadores rurais de Xapuri e Brasiléia,com foco na sua visão de pensar global e agir local na sua versão sustentável original, crítica, criativa e cuidante (Boff).
Mas vamos a continunuidade da leitura de seu blog, prometendo voltar a comentar mais sobre o verdadeiro Chico Mendes que pedia apenas que não o matassem por sua luta justa, solidária de que um outro mundo é possível, COM e à PARTIR de cada um (a), de tod@s nós desse lindo, porém sujo, planeta Terra!
Abraços fraternal à tod@s da família e rede global!
Txai Dinho da Silva
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