O DILÚVIO E A SECA
POR LÚCIO FLÁVIO PINTO
Se
São Paulo, a maior cidade do Brasil, tivesse sido fundada às margens
do rio Acre e não do Tietê/Pinheiros, neste momento pelo menos quatro
milhões dos seus 11 milhões de habitantes estariam fora das suas casas
ou tendo que conviver com a água dentro delas. Seria uma tragédia de
dimensão internacional.
Rio Branco está vivendo quase
em silêncio — e com pouco interesse nacional ou mesmo regional — essa
situação. As águas do rio Acre quase se nivelaram ao recorde da cheia
de 1997. A diferença é insignificante: um centímetro.
Com
um agravante inédito: em agosto do ano passado o rio sofreu a sua seca
mais crítica. A lâmina d'água era de 1,57 metros, bem abaixo da menor
marca até então, a da grande seca amazônica de 2005, quando o nível
ainda foi a 1,64 metros.
De agosto de 2011 até dois
dias atrás o crescimento do rio Acre foi de mais de 10 vezes: chegou a
17,65 metros. Subiu, portanto, 16 metros (o equivalente a um prédio de
cinco andares), espraiando-se por grande parte do perímetro urbano e
causando todo tipo de prejuízo.
Quase 15% da cidade
ficaram às escuras, o que significaria deixar mais de um milhão e meio
de paulistanos sem luz por dias seguidos para evitar acidentes com fios
eletrificados, que costumam matar os desatentos.
Os
efeitos são ainda mais sentidos porque a capital abriga quase metade
dos 750 mil habitantes do Acre e a maior parcela da riqueza do Estado,
dois terços dela baseadas em serviços.
Mas o Acre está
muito longe do foco da opinião pública brasileira para que a gravidade
da cheia possa sensibilizar e mobilizar a solidariedade nacional —
menos ainda, a oficial.
Se os brasileiros não sabem o
que acontece do outro lado do país, os que lá estão nem sempre costumam
estar próximos para a ajuda. Os recursos designados pelo governo local
equiparam-se ao que foi gasto no carnaval, quando, literalmente, as
águas rolaram.
O Acre responde por 0,2% do PIB
brasileiro. E só é brasileiro há pouco mais de um século. Em 1904 o
barão do Rio Branco, patrono da diplomacia verde-amarela, comprou os
252 mil quilômetros quadrados que pertenciam à Bolívia para encerrar a
guerra liderada pelo gaúcho Plácido de Castro pela emancipação desse
território, que já era brasileiro de fato.
O Acre é tão
longínquo que o presidente Evo Morales se concedeu o direito de
ironizar a pacificação da zona conflagrada feita pelo barão, o primeiro
dos grandes e ainda o maior diplomata do Brasil. Disse que compramos o
Acre pelo preço de um cavalo, ou menos.
O governo
brasileiro não contestou o humor negro do presidente Morales, que
violentou todas as versões do fato histórico. Parece que os falsos
estadistas de hoje consideram que ficar o Acre não foi um bom negócio;
Não
foi pouca terra como pode parecer a que compramos. O Acre se tornou o
16º maior Estado brasileiro, com 11 unidades federativas abaixo de sua
grandeza física, o Distrito Federal no meio.
Mas sua
população é menos de 0,4% da soma dos brasileiros e sua riqueza, a
metade desse valor. Ou seja: do físico ao econômico, passando pelo
social, o Acre cai na hierarquia de valores. Quase sai da lista.
Torna-se
um produto exótico quando se constata que são muitos os que conhecem
Chico Mendes e Marina Silva, sem atentar, contudo, para o contexto que
lhes deu origem. Sabem deles sem entendê-los.
É a marca
da relação da metrópole com a colônia, do centro com a periferia. O
que conta é o polo dominante. O resto é derivativo. That's all folk,
como apregoa a abertura das fitas de desenho animado do Pica-Pau.
Ir
— em menos de um ano — de um extremo de estiagem a outro extremo de
inundação dá uma medida do que é a Amazônia, região configurada pela
maior bacia hidrográfica do planeta. O elemento definidor dessa paisagem
é a água. Não "a água" genericamente falando, como cenário decorativo.
É a água enquanto protagonista. É assim há milênios. Mas pode deixar
de ser assim.
Não que a transformação seja súbita ou
possa ser prontamente diagnosticada com o surgimento de acontecimentos
excepcionais, como sendo hecatombes e dilúvios.
Para
minimizar a cheia acreana atual alguém lembrou que as tropas de Plácido
de Castro atravessaram o rio Acre a cavalo, em algum ponto onde agora
está Rio Branco (o rio Branco, aliás, fica no outro extremo da
Amazônia, em Roraima, banhando Boa Vista, a confundir ainda mais os
estudantes de geografia e história).
É verdade: outras
cheias ou secas monumentais já existiram antes. O que parece novo é a
frequência com que elas estão se repetindo, amiudando-se. Pode não ser
uma catástrofe inevitável, mas certamente será uma catástrofe se os
sinais de alerta forem ignorados.
A maioria das cidades
surgiu à beira de um rio. Mas na Amazônia a dimensão da hidrografia
requer atenção especial. Qualquer mudança mais significativa deve ser
considerada e bem estudada para que o homem se adapte da melhor maneira
à natureza.
Não tem sido esta a regra de procedimento.
Muito pelo contrário: o homem segue seu caminho, na busca de novas
fontes de riqueza, e vai mudando o que encontra pelo caminho. Acaba com
as indispensáveis matas ciliares (que serão podadas ainda mais pelo
pretendido novo Código anti-Florestal), dá fim à proteção vegetal das
encostas, troca a densa mata nativa por precária pastagem — e assim
segue a cornucópia da destruição.
Na Amazônia (e na
Terra em geral) há o efeito bumerangue. Se lança-se a agressão, ela
retornará contra quem a lançou. Os desmatamentos indiscriminados terão
eco. É só acompanhar seu rastro.
As cheias começaram
neste ano mais cedo. Não apenas no Acre: em toda a Amazônia. Um
observador superficial pode contrapor outro fato a esse: também o
refluxo começou mais cedo, já que o rio Acre apresentou ligeira baixa
nos últimos dois dias.
Esse movimento, porém, pode ser
ilusório. Ele antecede um novo movimento de enchimento. Por isso os
moradores das áreas atingidas pela subida e descida das águas, que tem
ciclo semestral no interior da região, ficam atentos e apreensivos. É
muito cedo para comemorar.
Na Amazônia de vastas
distâncias e grandezas continentais, a natureza ainda é a personagem
principal. Mesmo que seja para desfazer, em muito menos tempo, o que
fez durante largos períodos, quando o homem não era a hipótese em que
se tornou. Improvável, aliás.
O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto é editor do Jornal Pessoal e escreve Cartas da Amazônia no Yahoo
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
"Silêncio! Eles estão afundando..."
O silêncio e o descaso com o Acre alagado e as vítimas da alagação, foi e é, na minha opinião, pior que a violência das águas, que levaram tudo. Tenho certeza disso.
Até agora fico PASMADA com a falta de Solidariedade do Brasil, a falta de Missão Humanitária para socorrer a população.
Enquanto isso o Brasil (e muitos Acreanos), brincavam e festejavam o CARNAVAL, com dinheiro do CONTRIBUINTE.
Me faz pensar naquela frase que atribuíram à Charles De Gaule: "O Brasil não é um país sério". Concordo com ele.
photo©OdairLeal
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Jornalista ameaçado: somos todos Lúcio Flávio
Em solidariedade ao jornalista existe o blog TODOS COM LÚCIO FLÁVIO PINTO destinado a ajudá-lo a arrecadar fundos para pagar a indenização pelas denúncias veiculadas em seu jornal.
Aqui os dados para as doações:
Banco do Brasil
Agência 3024-4
Conta poupança, variação 1, 22.108-2
CPF do titular: 212.046.162-72O titular da conta e responsável pela administração do fundo é Pedro Carlos de Faria Pinto, irmão do jornalista.O valor a ser pago por Lúcio Flávio Pinto à família do grileiro será bem superior aos R$ 8 mil estipulados pela justiça paraense à época da condenação, em virtude da correção monetária necessária para os últimos seis anos.E lembre-se na hora de contribuir: conta-poupança.
Para entrar em contato com Lúcio Flávio Pinto:
Rua Aristides Lobo, 871.66053-020 Reduto
Belém - PA
Fone: +55 (91)3241-7626
e-mail: jornal@amazon.com.br
Para reportar erros no conteúdo do portal ou problemas de cadastro de usuários no site, envie um email para: webmaster@lucioflaviopinto.com.br
Divulgue informações, crie conteúdo, manifeste apoio e sugira ações em defesa do jornalista. Porque somos todos Lúcio Flávio Pinto.
©LuizPinto
É um momento importante, na vida de Lúcio Flávio Pinto, momento importante na sua luta como jornalista, como pessoa humana e como cidadão brasileiro.Eu imagino sua solidão, sua decepção.
Lúcio Flávio Pinto, penso em você.
Silvana.
Canção do Tamoio
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864)I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
VII
E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.
IX
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
NOTA AO PÚBLICO,
CONTRA A INJUSTIÇA
No dia 7 o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, decidiu negar seguimento ao recurso especial que interpus contra decisão da justiça do Pará. Nos dois graus de jurisdição (no juízo singular e no tribunal), o judiciário paraense me condenou a indenizar o empresário Cecílio do Rego Almeida por dano moral.
O dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, se disse ofendido porque o chamei de “pirata fundiário”, embora ele tenha se apossado de uma área de quase cinco milhões de hectares no vale do rio Xingu, no Pará. A justiça federal de 1ª instância anulou os registros imobiliários dessas terras, por pertencerem ao patrimônio público.
O presidente do STJ não recebeu meu recurso “em razão da deficiente formação do instrumento; falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante de pagamento das custas do recurso especial e do porte de remessa e retorno dos autos”. Ou seja: o agravo de instrumento não foi recebido na instância superior por falhas formais na juntada dos documentos que teriam que acompanhar o recurso especial.
O despacho foi publicado no Diário Oficial eletrônico do STJ no dia 13. A partir daí eu teria prazo de 15 dias para entrar com um recurso contra o ato do ministro. Ou então através de uma ação rescisória. O artigo 458 do Código de Processo Civil a prevê nos seguintes casos:
“Se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”.
Como o ministro do STJ negou seguimento ao agravo, a corte não pode apreciar o mérito do recurso especial. A única sentença de mérito foi a anterior, do Tribunal de Justiça do Estado, que confirmou minha condenação, imposta pelo juiz substituto (não o titular, portanto, que exerceu a jurisdição por um único dia) de uma das varas cíveis do fórum de Belém. Com a ação, o processo seria reapreciado.
Advogados que consultei me recomendaram esse caminho, muito trilhado em tais circunstâncias. Mas eu teria que me submeter outra vez a um tribunal no qual não tenho mais fé alguma. É certo que nele labutam magistrados e funcionários honestos, sérios e competentes. Também é fato que alguns dos magistrados que agiram de má fé contra mim já foram aposentados, com direito a um fare niente bem remunerado – e ao qual não fizeram jus.
Mas também é verdade que, na linha de frente e agindo poderosamente nos bastidores, um grupo de personagens (para não reduzi-lo a uma única figura fundamental) continua disposto a manter a condenação, alcançada a tanto custo, depois de uma resistência extensa e intensa da minha parte.
Esse grupo (e, sobretudo, esse líder) tem conseguido se impor aos demais de várias maneiras, ora pela concessão de prêmios e privilégios ora pela pressão e coação. Seu objetivo é me destruir. Tive a audácia de contrariar seus propósitos e denunciar algumas de suas manobras, como continuo a fazer, inclusive na edição do meu Jornal Pessoal que irá amanhã às ruas.
A matéria de capa denuncia a promoção ao desembargo de uma juíza, Vera Souza, que, com o concurso de uma já desembargadora, Marneide Merabet, ia possibilitar que uma quadrilha de fraudadores roubasse 2,3 bilhões de reais da agência central de Belém do Banco do Brasil.
A mesma quadrilha tentou, sem sucesso, aplicar o golpe em Maceió, Florianópolis e Brasília. Foi rechaçada pelas justiças locais. Em Belém encontrou abrigo certo. Afinal, também não foi promovida ao topo da carreira uma juíza, Maria Edwiges de Miranda Lobato, que mandou soltar o maior traficante de drogas do Norte e Nordeste do país. O ato foi revisto, mas a polícia não conseguiu mais colocar as mãos no bandido e no seu guarda-costas. Punida com mera nota de censura reservada, a magistrada logo em seguida subiu ao tribunal.
Foi esse o tribunal que teve todas as oportunidades de reformar a iníqua, imoral e ilegal sentença dada contra mim por um juiz que só atuou na vara por um dia, só mandou buscar um processo (o meu), processo esse que não estava pronto para ser sentenciado (nem todo numerado se achava), levou os autos por sua casa no fim de semana e só o devolveu na terça-feira, sem se importar com o fato de que a titular da vara (que ainda apreciava a questão) havia retornado na véspera, deixando-o sem autoridade jurisdicional sobre o feito. Para camuflar a fraude, datou sua sentença, de quatro laudas, em um processo com mais de 400 folhas, com data retroativa à sexta-feira, quatro dias antes. Mas não pôde modificar o registro do computador, que comprovou a manobra.
De posse de todos os documentos atestando os fatos, pedi à Corregedoria de Justiça a instauração de inquérito contra o juiz Amílcar Bezerra. A relatora, desembargadora Carmencim Cavalcante, acolheu meu pedido. Mas seus pares do Conselho da Magistratura o rejeitaram. Eis um caso a fortalecer as razões da Corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, contra o corporativismo, que protege os bandidos de toga.
Apelei para o tribunal, com farta documentação negando a existência do ilícito, já que a grilagem de terras não só foi provada como o próprio judiciário paraense demitira, por justa causa, os serventuários de justiça que dela foram cúmplices no cartório de Altamira. O escândalo se tornara internacional e, por serem federais partes das terras usurpadas, o interesse da União deslocou o feito para a justiça federal, que acolheu as razões do Ministério Público Federal e anulou os registros fraudulentos no cartório de Altamira, decisão ainda pendente de recurso.
O grileiro morreu em maio de 2008. Nesse momento, vários dos meus recursos, que esgotavam os instrumentos de defesa do Código de Processo Civil, estavam sendo sucessivamente rejeitados. Mas ninguém se habilitou a substituir C. R. Almeida. Nem herdeiros nem sucessores. Sua advogada continuou a funcionar no processo, embora a morte do cliente cesse a vigência do contrato com o patrono. E assim se passaram dois anos sem qualquer manifestação de interesse pela causa por parte daqueles que podiam assumir o pólo ativo da ação, mas a desertaram.
A deserção foi reconhecida pelo juiz titular da 10ª vara criminal de Belém, onde o mesmo empreiteiro propusera uma ação penal contra mim, com base na extinta Lei de Imprensa. Passado o prazo regulamentar de 60 dias (e muitos outros 60 dias, até se completarem mais de dois anos), o juiz declarou minha inimputabilidade e extinguiu o processo, mandando-o para o seu destino: o arquivo (e, no futuro, a lata de lixo da história).
Na instância superior, os desembargadores se recusavam a reconhecer o direito, a verdade e a lei. Quando a apelação estava sendo apreciada e a votação estava empatada em um voto, a desembargadora Luzia Nadja do Nascimento a desempatou contra mim, selando a sorte desse recurso.
A magistrada não se considerou constrangida pelo fato de que seu marido, o procurador de justiça Santino Nascimento, ex-chefe do Ministério Público do Estado, quando secretário de segurança pública, mandou tropa da Polícia Militar dar cobertura a uma manobra de afirmação de posse do grileiro sobre a área cobiçada. A cobertura indevida foi desfeita depois que a Polícia Federal interveio, obrigando a PM a sair do local.
Pior foi a desembargadora Maria Rita Xavier. Seu comportamento nos autos se revelou tão tendencioso que argüi sua suspeição. Ao invés de decidir de imediato sobre a exceção, ela deu sumiço à minha peça, que passei a procurar em vão. Não a despachou, não suspendeu a instrução processual e não decidiu se era ou não suspeita. Ou melhor: decidiu pelos fatos, pois continuou impávida à frente do processo.
Meus recursos continuaram a ser indeferidos ou ignorados, quando alertava a relatora e os desembargadores aos quais meus recursos foram submetidos sobre a ausência do pólo ativo da ação e de poderes para a atuação da ex-procuradora do morto, que, sem esses poderes, contra-arrazoava os recursos.
Finalmente foi dado prazo para a habilitação, não cumprido. E dado novo prazo, que, afinal, contra a letra da lei, permitiu aos herdeiros de C. R. Almeida dar andamento ao processo (e manter o desejo de ficar com as terras) para obter minha condenação. Nesse martírio não lutei contra uma parte, mas contra duas, incluindo a que devia ser arbitral.
Voltar a ela, de novo? Mas com que crença? Quando, quase 20 anos atrás, me apresentei voluntariamente em cartório, sem esperar pela citação do oficial de justiça (gesto que causou perplexidade no fórum, mas que repeti outras vezes) para me defender da primeira das 33 ações sucessivamente propostas contra mim (19 delas pelos donos do maior conglomerado de comunicação da Amazônia, afiliado à Rede Globo de Televisão), eu acreditava na justiça do meu Estado.
Continuo a crer em muitos dos seus integrantes. Mas não na estrutura de poder que nela funciona, conivente com a espoliação do patrimônio público por particulares como o voraz pirata fundiário Cecílio do Rego Almeida.
Por isso, decidi não mais recorrer. Se fui submetido a um processo político, que visa me destruir, como personagem incômodo para esses bandidos de toga e as quadrilhas de assalto ao bem coletivo do Pará, vou reagir a partir de agora politicamente, nos corretos limites da verdade e da prova dos fatos, que sempre nortearam meu jornalismo em quase meio século de existência.
Declaro nesta nota suspeito o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que não tem condições de me proporcionar o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, que a Constituição do Brasil me confere, e decide a revelia e contra os fatos.
Se o tribunal quer minha cabeça, ofereço-a não para que a jogue fora, mas para que, a partir dela, as pessoas de bem reajam a esse cancro que há muitos anos vem minando a confiabilidade, a eficácia e a honorabilidade das instituições públicas no Pará e na Amazônia.
O efeito dessa decisão é que, finalmente, para regozijo dos meus perseguidores, deixarei de ser réu primário. Num país em que fichas de pessoas se tornam imundas pelo assalto aos cofres do erário, mas são limpas a muito poder e dinheiro, serei ficha suja por defender o que temos de mais valioso em nosso país e em nossa região.
Como já há outra ação cível – também de indenização – em fase de execução, a perda da primariedade me causará imensos transtornos. Mas, como no poema hindu, se alguém tem que queimar para que se rompam as chamas, que eu me queime.
Não pretendo o papel de herói (pobre do país que precisa dele, disse Bertolt Brecht pela boca de Galileu Galilei). Sou apenas um jornalista. Por isso, preciso, mais do que nunca, do apoio das pessoas de bem. Primeiro para divulgar essas iniqüidades, que cerceiam o livre direito de informar e ser informado, facilitando o trabalho dos que manipulam a opinião pública conforme seus interesses escusos.
Em segundo lugar, para arcar com o custo da indenização. Infelizmente, no Pará, chamar o grileiro de grileiro é crime, passível de punição. Se o guardião da lei é conivente, temos que apelar para o samba no qual Chico Buarque grita: chame o ladrão, chame o ladrão.
Quem quiser me ajudar pode depositar qualquer quantia na conta 22.108-2 da agência 3024-4 do Banco do Brasil, em nome do meu querido irmão Pedro Carlos de Faria Pinto, que é administrador de empresas e fiscal tributário, e assim administrará esse fundo. Essa conta estava em vias de fechamento, mas agora servirá para que se arque com esse constrangedor ônus de indenizar quem nos pilha e nos empobrece, graças à justiça.
Farei outros comunicados conforme as necessidades da campanha que ora se inicia. Espero contar com sugestões, opiniões e avaliações de todos que a ela se incorporarem. Convido-os a esta tarefa difícil e desgastante de não se acomodar na busca de um mundo melhor para todos nós.
Belém (PA), 14 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
DE LÚCIO FLÁVIO PINTO - 14/02/2012
CONTRA A INJUSTIÇA
No dia 7 o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, decidiu negar seguimento ao recurso especial que interpus contra decisão da justiça do Pará. Nos dois graus de jurisdição (no juízo singular e no tribunal), o judiciário paraense me condenou a indenizar o empresário Cecílio do Rego Almeida por dano moral.
O dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, se disse ofendido porque o chamei de “pirata fundiário”, embora ele tenha se apossado de uma área de quase cinco milhões de hectares no vale do rio Xingu, no Pará. A justiça federal de 1ª instância anulou os registros imobiliários dessas terras, por pertencerem ao patrimônio público.
O presidente do STJ não recebeu meu recurso “em razão da deficiente formação do instrumento; falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante de pagamento das custas do recurso especial e do porte de remessa e retorno dos autos”. Ou seja: o agravo de instrumento não foi recebido na instância superior por falhas formais na juntada dos documentos que teriam que acompanhar o recurso especial.
O despacho foi publicado no Diário Oficial eletrônico do STJ no dia 13. A partir daí eu teria prazo de 15 dias para entrar com um recurso contra o ato do ministro. Ou então através de uma ação rescisória. O artigo 458 do Código de Processo Civil a prevê nos seguintes casos:
“Se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; ofender a coisa julgada; violar literal disposição de lei; se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória; depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa”.
Como o ministro do STJ negou seguimento ao agravo, a corte não pode apreciar o mérito do recurso especial. A única sentença de mérito foi a anterior, do Tribunal de Justiça do Estado, que confirmou minha condenação, imposta pelo juiz substituto (não o titular, portanto, que exerceu a jurisdição por um único dia) de uma das varas cíveis do fórum de Belém. Com a ação, o processo seria reapreciado.
Advogados que consultei me recomendaram esse caminho, muito trilhado em tais circunstâncias. Mas eu teria que me submeter outra vez a um tribunal no qual não tenho mais fé alguma. É certo que nele labutam magistrados e funcionários honestos, sérios e competentes. Também é fato que alguns dos magistrados que agiram de má fé contra mim já foram aposentados, com direito a um fare niente bem remunerado – e ao qual não fizeram jus.
Mas também é verdade que, na linha de frente e agindo poderosamente nos bastidores, um grupo de personagens (para não reduzi-lo a uma única figura fundamental) continua disposto a manter a condenação, alcançada a tanto custo, depois de uma resistência extensa e intensa da minha parte.
Esse grupo (e, sobretudo, esse líder) tem conseguido se impor aos demais de várias maneiras, ora pela concessão de prêmios e privilégios ora pela pressão e coação. Seu objetivo é me destruir. Tive a audácia de contrariar seus propósitos e denunciar algumas de suas manobras, como continuo a fazer, inclusive na edição do meu Jornal Pessoal que irá amanhã às ruas.
A matéria de capa denuncia a promoção ao desembargo de uma juíza, Vera Souza, que, com o concurso de uma já desembargadora, Marneide Merabet, ia possibilitar que uma quadrilha de fraudadores roubasse 2,3 bilhões de reais da agência central de Belém do Banco do Brasil.
A mesma quadrilha tentou, sem sucesso, aplicar o golpe em Maceió, Florianópolis e Brasília. Foi rechaçada pelas justiças locais. Em Belém encontrou abrigo certo. Afinal, também não foi promovida ao topo da carreira uma juíza, Maria Edwiges de Miranda Lobato, que mandou soltar o maior traficante de drogas do Norte e Nordeste do país. O ato foi revisto, mas a polícia não conseguiu mais colocar as mãos no bandido e no seu guarda-costas. Punida com mera nota de censura reservada, a magistrada logo em seguida subiu ao tribunal.
Foi esse o tribunal que teve todas as oportunidades de reformar a iníqua, imoral e ilegal sentença dada contra mim por um juiz que só atuou na vara por um dia, só mandou buscar um processo (o meu), processo esse que não estava pronto para ser sentenciado (nem todo numerado se achava), levou os autos por sua casa no fim de semana e só o devolveu na terça-feira, sem se importar com o fato de que a titular da vara (que ainda apreciava a questão) havia retornado na véspera, deixando-o sem autoridade jurisdicional sobre o feito. Para camuflar a fraude, datou sua sentença, de quatro laudas, em um processo com mais de 400 folhas, com data retroativa à sexta-feira, quatro dias antes. Mas não pôde modificar o registro do computador, que comprovou a manobra.
De posse de todos os documentos atestando os fatos, pedi à Corregedoria de Justiça a instauração de inquérito contra o juiz Amílcar Bezerra. A relatora, desembargadora Carmencim Cavalcante, acolheu meu pedido. Mas seus pares do Conselho da Magistratura o rejeitaram. Eis um caso a fortalecer as razões da Corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, contra o corporativismo, que protege os bandidos de toga.
Apelei para o tribunal, com farta documentação negando a existência do ilícito, já que a grilagem de terras não só foi provada como o próprio judiciário paraense demitira, por justa causa, os serventuários de justiça que dela foram cúmplices no cartório de Altamira. O escândalo se tornara internacional e, por serem federais partes das terras usurpadas, o interesse da União deslocou o feito para a justiça federal, que acolheu as razões do Ministério Público Federal e anulou os registros fraudulentos no cartório de Altamira, decisão ainda pendente de recurso.
O grileiro morreu em maio de 2008. Nesse momento, vários dos meus recursos, que esgotavam os instrumentos de defesa do Código de Processo Civil, estavam sendo sucessivamente rejeitados. Mas ninguém se habilitou a substituir C. R. Almeida. Nem herdeiros nem sucessores. Sua advogada continuou a funcionar no processo, embora a morte do cliente cesse a vigência do contrato com o patrono. E assim se passaram dois anos sem qualquer manifestação de interesse pela causa por parte daqueles que podiam assumir o pólo ativo da ação, mas a desertaram.
A deserção foi reconhecida pelo juiz titular da 10ª vara criminal de Belém, onde o mesmo empreiteiro propusera uma ação penal contra mim, com base na extinta Lei de Imprensa. Passado o prazo regulamentar de 60 dias (e muitos outros 60 dias, até se completarem mais de dois anos), o juiz declarou minha inimputabilidade e extinguiu o processo, mandando-o para o seu destino: o arquivo (e, no futuro, a lata de lixo da história).
Na instância superior, os desembargadores se recusavam a reconhecer o direito, a verdade e a lei. Quando a apelação estava sendo apreciada e a votação estava empatada em um voto, a desembargadora Luzia Nadja do Nascimento a desempatou contra mim, selando a sorte desse recurso.
A magistrada não se considerou constrangida pelo fato de que seu marido, o procurador de justiça Santino Nascimento, ex-chefe do Ministério Público do Estado, quando secretário de segurança pública, mandou tropa da Polícia Militar dar cobertura a uma manobra de afirmação de posse do grileiro sobre a área cobiçada. A cobertura indevida foi desfeita depois que a Polícia Federal interveio, obrigando a PM a sair do local.
Pior foi a desembargadora Maria Rita Xavier. Seu comportamento nos autos se revelou tão tendencioso que argüi sua suspeição. Ao invés de decidir de imediato sobre a exceção, ela deu sumiço à minha peça, que passei a procurar em vão. Não a despachou, não suspendeu a instrução processual e não decidiu se era ou não suspeita. Ou melhor: decidiu pelos fatos, pois continuou impávida à frente do processo.
Meus recursos continuaram a ser indeferidos ou ignorados, quando alertava a relatora e os desembargadores aos quais meus recursos foram submetidos sobre a ausência do pólo ativo da ação e de poderes para a atuação da ex-procuradora do morto, que, sem esses poderes, contra-arrazoava os recursos.
Finalmente foi dado prazo para a habilitação, não cumprido. E dado novo prazo, que, afinal, contra a letra da lei, permitiu aos herdeiros de C. R. Almeida dar andamento ao processo (e manter o desejo de ficar com as terras) para obter minha condenação. Nesse martírio não lutei contra uma parte, mas contra duas, incluindo a que devia ser arbitral.
Voltar a ela, de novo? Mas com que crença? Quando, quase 20 anos atrás, me apresentei voluntariamente em cartório, sem esperar pela citação do oficial de justiça (gesto que causou perplexidade no fórum, mas que repeti outras vezes) para me defender da primeira das 33 ações sucessivamente propostas contra mim (19 delas pelos donos do maior conglomerado de comunicação da Amazônia, afiliado à Rede Globo de Televisão), eu acreditava na justiça do meu Estado.
Continuo a crer em muitos dos seus integrantes. Mas não na estrutura de poder que nela funciona, conivente com a espoliação do patrimônio público por particulares como o voraz pirata fundiário Cecílio do Rego Almeida.
Por isso, decidi não mais recorrer. Se fui submetido a um processo político, que visa me destruir, como personagem incômodo para esses bandidos de toga e as quadrilhas de assalto ao bem coletivo do Pará, vou reagir a partir de agora politicamente, nos corretos limites da verdade e da prova dos fatos, que sempre nortearam meu jornalismo em quase meio século de existência.
Declaro nesta nota suspeito o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que não tem condições de me proporcionar o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa, que a Constituição do Brasil me confere, e decide a revelia e contra os fatos.
Se o tribunal quer minha cabeça, ofereço-a não para que a jogue fora, mas para que, a partir dela, as pessoas de bem reajam a esse cancro que há muitos anos vem minando a confiabilidade, a eficácia e a honorabilidade das instituições públicas no Pará e na Amazônia.
O efeito dessa decisão é que, finalmente, para regozijo dos meus perseguidores, deixarei de ser réu primário. Num país em que fichas de pessoas se tornam imundas pelo assalto aos cofres do erário, mas são limpas a muito poder e dinheiro, serei ficha suja por defender o que temos de mais valioso em nosso país e em nossa região.
Como já há outra ação cível – também de indenização – em fase de execução, a perda da primariedade me causará imensos transtornos. Mas, como no poema hindu, se alguém tem que queimar para que se rompam as chamas, que eu me queime.
Não pretendo o papel de herói (pobre do país que precisa dele, disse Bertolt Brecht pela boca de Galileu Galilei). Sou apenas um jornalista. Por isso, preciso, mais do que nunca, do apoio das pessoas de bem. Primeiro para divulgar essas iniqüidades, que cerceiam o livre direito de informar e ser informado, facilitando o trabalho dos que manipulam a opinião pública conforme seus interesses escusos.
Em segundo lugar, para arcar com o custo da indenização. Infelizmente, no Pará, chamar o grileiro de grileiro é crime, passível de punição. Se o guardião da lei é conivente, temos que apelar para o samba no qual Chico Buarque grita: chame o ladrão, chame o ladrão.
Quem quiser me ajudar pode depositar qualquer quantia na conta 22.108-2 da agência 3024-4 do Banco do Brasil, em nome do meu querido irmão Pedro Carlos de Faria Pinto, que é administrador de empresas e fiscal tributário, e assim administrará esse fundo. Essa conta estava em vias de fechamento, mas agora servirá para que se arque com esse constrangedor ônus de indenizar quem nos pilha e nos empobrece, graças à justiça.
Farei outros comunicados conforme as necessidades da campanha que ora se inicia. Espero contar com sugestões, opiniões e avaliações de todos que a ela se incorporarem. Convido-os a esta tarefa difícil e desgastante de não se acomodar na busca de um mundo melhor para todos nós.
Belém (PA), 14 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
AO LEITOR,
Por LÚCIO FLÁVIO PINTO
O Grileiro vencerá?
Como já é do conhecimento público, em 1999 escrevi uma matéria no meu Jornal Pessoal denunciando a grilagem de terras praticada pelo empresário Cecílio do Rego Almeida, dono da Construtora C. R. Almeida, uma das maiores empreiteiras do país, com sede em Curitiba, no Paraná. Embora nascido em Óbidos, no Pará, Cecílio se estabeleceu 40 anos antes no Paraná. Fez fortuna com o uso de métodos truculentos. Nada era obstáculo para a sua vontade.
Sem qualquer inibição, ele recorreu a vários ardis para se apropriar de quase cinco milhões de hectares de terras no rico vale do rio Xingu, no Pará, onde ainda subsiste a maior floresta nativa do Estado, na margem direita do rio Amazonas, além de minérios e outros recursos naturais. Onde também está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, para ser a maior do país e a terceira do mundo.
Os 5 milhões de hectares já constituem território bastante para abrigar um país, mas a ambição podia levar o empresário a se apossar de área ainda maior, de 7 milhões de hectares, o equivalente a 8% de todo o Pará, o segundo maior Estado da federação brasileira. Se fosse um Estado, a “Ceciliolândia” seria o 21º maior do Brasil.
Em 1996, na condição de cidadão, atendi a um chamado do advogado Carlos Lamarão Corrêa, diretor do Departamento Jurídico do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), e o ajudei a preparar uma ação de anulação e cancelamento dos registros das terras usurpadas por C. R. Almeida, com a cumplicidade da titular do cartório de registro de imóveis de Altamira e a ajuda de advogados inescrupulosos. A ação foi recebida pelo juiz da comarca, Torquato de Alencar, e feita a averbação da advertência de que aquelas terras não podiam ser comercializadas, por estarem sub-judice, passíveis de nulidade.
Os herdeiros do grileiro podem continuar na posse e no usufruto da pilhagem, apesar da decisão, porque a grilagem recebeu decisão favorável dos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Cabral Duarte, do Tribunal de Justiça do Estado. Deve-se salientar que essas foram as únicas decisões favoráveis ao grileiro nas instâncias oficiais, que reformaram a deliberação do juiz de Altamira.
Com o acúmulo de informações sobre o estelionato fundiário, os órgãos públicos ligados à questão foram se manifestando e tomando iniciativas para evitar que o golpe se consumasse. A Polícia Federal comprovou a fraude e só não prendeu o empresário porque ele já tinha mais de 70 anos. O próprio poder judiciário estadual, que perdeu a jurisdição sobre o caso, deslocado para a competência da justiça federal, a partir daí, impulsionado pelo Ministério Público Federal, tomando rumo contrário ao pretendido pelo grileiro, interveio no cartório Moreira, de Altamira, e demitiu todos os serventuários que ali trabalhavam, inclusive a escrivã titular, Eugênia de Freitas, por justa causa.
Carlos Lamarão, um repórter da revista Veja (que chegou a ser mantido em cárcere privado pelo empresário e ameaçado fisicamente) e o vereador Eduardo Modesto, de Altamira, processados na comarca de São Paulo por Cecílio Almeida, foram absolvidos pela justiça paulistana. O juiz observou que essas pessoas, ao invés de serem punidas, mereciam era homenagens por estarem defendendo o patrimônio público, ameaçado de passar ilicitamente para as mãos de um particular.
De toda história, eu acabei sendo o único punido. A ação do empreiteiro contra mim, como as demais, foi proposta no foro de São Paulo. Seus advogados sabiam muito bem que a sede da ação era Belém, onde o Jornal Pessoal circula. Eles queriam deslocar a causa por saberem das minhas dificuldades para manter um representante na capital paulista. A juíza que recebeu o processo, a meu pedido, desaforou a ação para Belém, como tinha que ser. Hoje, revendo o que passei nestes 11 anos de jurisdição da justiça do Pará, tenho que lamentar a mala suerte de não ter ficado mesmo em São Paulo, com todas as dificuldades que tivesse para acompanhar a tramitação do feito.
A justiça de São Paulo foi muito mais atenta à defesa da verdade e da integridade de um bem público ameaçada por um autêntico “pirata fundiário”, do que a justiça do Pará, formada por homens públicos, que deviam zelar pela integridade do patrimônio do Estado contra os aventureiros inescrupulosos e vorazes. Esta expressão, “pirata fundiário”, C. R. Almeida considerou ofensiva à sua dignidade moral e as duas instâncias da justiça paraense sacramentaram como crime, passível de indenização, conforme pediu o controverso empreiteiro.
Mesmo tendo provado tudo que afirmei na primeira matéria e nas que a seguiram, diante da gravidade do tema, fui condenado, graças a outro ardil, montado para que um juiz substituto, em interinidade de fim de semana, pela ausência circunstancial da titular da 1ª vara cível de Belém, sem as condições processuais para sentenciar uma ação de 400 páginas,
me condenasse a pagar ao grileiro indenização de 8 mil reais (em valores de então, a serem dramaticamente majorados até a execução da sentença), por ofensa moral.
A sentença foi confirmada pelo tribunal, embora a ação tenha sido abandonada desde que Cecílio do Rego Almeida morreu, em agosto de 2008; mesmo que seus sucessores ou herdeiros não se tenham habilitado; mesmo que o advogado, que continuou a atuar nos autos, não dispusesse de um novo contrato para legalizar sua função; mesmo que o tribunal, várias vezes alertado por mim sobre a deserção, tenha ignorado minhas petições; mesmo que, obrigado a extinguir a minha punibilidade, arquivando o processo, haja finalmente aberto prazo para a habilitação da parte ativa, que ganhou novo prazo depois de perder o primeiro; mesmo que a relatora, confrontada com a argüição da sua suspeição, que suscitei, diante de sua gravosa parcialidade, tenha simplesmente dado um “embargo de gaveta” ao pedido, que lhe incumbia responder de imediato, aceitando-o ou o rejeitando, suspendendo o processo e afastando-se da causa; mesmo que tudo que aleguei ou requeri tenha sido negado, para, ao final, a condenação ser confirmada, num escabroso crime político perpetrado pela maioria dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Pará que atuaram no meu caso, certamente inconformados com críticas e denúncias que tenho feito sobre o TJE nos últimos anos, nenhuma delas desmentida, a maioria delas também completamente ignorada pelos magistrados citados nos artigos. Ao invés de cumprir as obrigações de sua função pública, eles preferem apostar na omissão e na desmemoria da população. E no acerto de contas com o jornalista incômodo.
Depois de enfrentar todas as dificuldades possíveis, meus recursos finalmente subiram a Brasília em dezembro do ano passado. O recurso especial seguiu para o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, graças ao agravo de instrumento que impetrei (o Tribunal do Pará rejeitou o primeiro agravo; sobre o segundo já nada mais podia fazer).
Mas o presidente do STJ, em despacho deste dia 7, disponibilizado no dia 10 e a ser publicado no Diário da Justiça do dia 13, negou seguimento ao recurso especial. Alegou erros formais na formação do agravo: “falta cópia do inteiro teor do acórdão recorrido, do inteiro teor do acórdão proferido nos embargos de declaração e do comprovante do pagamento das custas do recurso especial e do porte de retorno e remessa dos autos”.
Recentemente, a justiça brasileira impôs novas regras para o recebimento de agravos, exigindo dos recorrentes muita atenção na formação do instrumento, tantos são os documentos cobrados e as suas características. Podem funcionar como uma armadilha fatal, quando não são atendidas as normas formais do preparo.
A falta de todos os documentos apontada pelo presidente do STJ me causou enorme surpresa. Participei pessoalmente da reunião dos documentos e do pagamento das despesas necessárias, junto com minha advogada, que é também minha prima e atua na questão gratuitamente (ou pró-bono, como preferem os profissionais). Não tenho dinheiro para sustentar uma representação desse porte. Muito menos para arcar com a indenização que me foi imputada, mais uma, na sucessão de processos abertos contra mim pelos que, sendo poderosos, pretendem me calar, por incomodá-los ou prejudicar seus interesses, frequentemente alimentados pelo saque ao patrimônio público.
Desde 1992 já fui processado 33 vezes. Nenhum dos autores dessas ações teve interesse em me mandar uma carta, no exercício de seu legítimo direito de defesa. O Jornal Pessoal publica todas as cartas que lhe são enviadas, mesmo as ofensivas, na íntegra. Também não publicaram matérias contestando as minhas ou, por qualquer via, estabelecendo um debate público, por serem públicos todos os temas por mim abordados. Foram diretamente à justiça, certos de contarem com a cumplicidade daquele tipo de toga que a valente ministra Eliana Calmon, Corregedora Nacional de Justiça, disse esconderem bandidos, para me atar a essa rocha de suplícios, que, às vezes, me faz sentir no papel de um Prometeu amazônico.
Não por coincidência, fui processado pelos desembargadores João Alberto Paiva e Maria do Céu Duarte, o primeiro tendo como seu advogado um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, à frente de uma das mais conceituadas bancas jurídicas do Distrito Federal. O ex-ministro José Eduardo Alckmin, que também advogava para a C. R. Almeida, veio a Belém para participar de uma audiência que durou cinco minutos. Mas impressionou pela sua presença.
O madeireiro Wandeir dos Reis Costa também me processou. Ele funcionou como fiel depositário de milhares de árvores extraídas ilegalmente da Terra do Meio, que o Ibama apreendeu em Altamira. Embora se declarasse pobre, ele se ofereceu para serrar, embalar e estocar a madeira enquanto não fosse decidido o seu destino. Destino, aliás, antecipado pelo extravio de toras mantidas em confinamento no próprio rio Xingu. Uma sórdida história de mais um ato de pirataria aos recursos naturais da Amazônia, bem disfarçado.
Apesar de todas essas ações e do martírio que elas criaram na minha vida nestes últimos 20 anos, mantenho meu compromisso com a verdade, com o interesse público e com uma melhor sorte para a querida Amazônia, onde nasci. Não gostaria que meus filhos e netos (e todos os filhos e netos do Brasil) se deparassem com espetáculos tão degradantes, como ver milhares de toras de madeira de lei, incluindo o mogno, ameaçado de ser extinto nas florestas nativas amazônicas, nas quais era abundante, sendo arrastadas em jangadas pelos rios por piratas fundiários, como o extinto Cecílio do Rego Almeida. Depois de ter sofrido todo tipo de violência, inclusive a agressão física, sei o que me espera. Mas não desistirei de fazer aquilo que me compete: jornalismo. Algo que os poderes, sobretudo o judiciário do Pará, querem ver extinto, se não puder ser domesticado conforme os interesses dos donos da voz pública.
Vamos tentar examinar o processo e recorrer, sabendo das nossas dificuldades para funcionar na justiça superior de Brasília, onde, como regra, minhas causas sempre foram vencedoras até aqui, mesmo sem representação legal junto aos tribunais do Distrito Federal.
Decidi escrever esta nota não para pressionar alguém nem para extrapolar dos meus direitos. Decisão judicial cumpre-se ou dela se recorre. Se tantos erros formais foram realmente cometidos no preparo do agravo, o que me surpreendeu e chocou, paciência: vou pagar por um erro que impedirá o julgador de apreciar todo meu extenso e profundo direito, demonstrado à exaustão nas centenas de páginas dos autos do processo. Terei que ir atrás da solidariedade dos meus leitores e dos que me apoiam para enfrentar mais um momento difícil na minha carreira de jornalista, com quase meio século de duração. Espero contar com a atenção das pessoas que ainda não desistiram de se empenhar por um país decente.
Belém (PA), 11 de fevereiro de 2012
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
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